sábado, 17 de dezembro de 2011

O PAÍS DAS ANALEPSES

Uma das tendências da natureza humana é lançar mão do passado para justificar, ou mesmo explicar, o presente. Até aí é uma atitude que encontra lastro no processo histórico. Pelo menos deveria ser assim, pois tal atitude evitaria muitos transtornos. À guisa de exemplo, se Hitler tivesse levando em consideração o erro de outros invasores, não teria invadido a Rússia no inverno. Em certos casos, o passado serve de referencial até mesmo para delinear o futuro, procurando evitar os mesmos erros cometidos. 
Nestes sentidos, e considerando as inclinações naturais do homem, especialmente do brasileiro, pode-se afirmar que o Brasil é um país com fortes raízes nas práticas político-econômicas do passado, seja o remoto, seja o recente. Até aí, nada de anormal, porquanto em quase todas as civilizações as coisas ocorrem desta forma. Há sempre os "flashbacks", como também os "cut backs", ou os "switchbacks". As referências são sempre remontadas às experiências do passado, envolvendo planos econômicos, governos e seus feitos bons, ou ruins.
A analepse é um termo comum na literatura, sendo uma figura de sintaxe que designa uma espécie de retrocesso por meio de uma interrupção de sequência cronológica. Faz-se uma interpolação de fatos e acontecimentos ocorridos no passado para fortalecer as posições, ou posturas presentes. Tal é utilizado como forma de assegurar posições futuras mais seguras, pois pautadas nas referências pretéritas. É, portanto, uma anacronia, a saber, uma alteração do plano temporal de algum evento, ou numa série de eventos. 
Em cinema, o "flashback" é um recurso importante para recorrer aos fatos passados e explicar os fatos atuais, ou futuros. Funcionam como pontes para aguçar o raciocínio do telespectador, levando-o a se tornar um agente investigador ao longo da exibição.
No Brasil, transportando a ideia para a política e a economia, temos múltiplos exemplos da analepses. Muitas pessoas com mais de 60 ou 70 anos, se consultadas, afirmam sem dúvidas que o melhor governo foi o de Getúlio Vargas. Outros, na faixa dos 40 ou 50 anos, afirmam que foi o governo de Juscelino Kubitschek. Ainda, outros, preferem valorizar o período do regime militar, por razões de segurança e manutenção do Brasil na ordem mundial vigente, a saber, a Ordem Bipolar. 
Na contramão destas posições encontramos alguns rancorosos de esquerda que preferem remontar aos anos 50, supervalorizando as comunidades eclesiais de base, expressões reais da esquerda católica. Outros preferem fazer laudatícios às células comunistas clandestinas durante o que eles denominam de "ditadura" militar como sendo atos heroicos. Ainda há os que guardam o movimento das "Diretas Já" como digno de mérito patriótico, sendo que os militares mesmos fizeram o processo de abertura e de anistia. 
A conclusão é que vivemos em um país das analepses, mas que na prática, não se toma o passado como referência para corrigir erros presentes, e projetar um futuro retilíneo. Tais teses e discursos são apenas úteis para os diversos e diferentes palanques que se exaltam em retórica, mas carecem de praxis. Todos estão jogando uma espécie de jogo para chegar ao poder, entorpecendo as mentes dos incautos e alienados. Como bem diz o adágio popular, "o que passou, passou", ou mesmo outro anexim: "deixe o passado, no passado." 
Na atualidade foi aprovada a criação da famigerada "Comissão da Verdade". Tal comissão tem por meta investigar abusos e crimes do período do regime militar. Ficou a cargo do presidente da República nomear os seus membros que trabalharão nas consultas dos documentos secretos, agora liberados. Entretanto, tal comissão já nasceu unilateral e com base numa visão míope e portadora da "síndrome do coitadinho". Os escolhidos e indicados se debruçarão apenas sobre investigação para culpar militares e agentes do Estado que cometeram excessos, abusos, crimes. Ora, naquele tempo, não apenas um lado cometeu tais atrocidades, mas ambos. Os erroneamente chamados revolucionários e guerrilheiros também mataram, inclusive companheiros de guerrilha, roubaram, sequestraram, prenderam, prevaricaram, mentiram, dissimularam muitas coisas para por a culpa nos agentes do Estado. Então, se se quer fazer, de fato, justiça e trazer à lume a verdade, deveriam investigar os documentos em seu inteiro teor.
Vamos fazer das analepses, também prolepses!

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