sábado, 23 de fevereiro de 2008

Dekasseguis, O Retorno Às Origens I

Há exatos 100 anos atrás aportava nas plagas brasileiras, o Kasato Maru, trazendo em sua nave os primeiros migrantes nipônicos. Naquele tempo, a "Terra do Sol Nascente" não conseguia mais alimentar e satisfazer os desejos de todos os seus filhos.
Partindo, principalmente de Hiroshima, no ano de 1908 saiu o primeiro grupo, cerca de 781 emigrantes. Primeiro foi o navio Kasato Maru que aportou em Santos, São Paulo, a 18 de junho, sendo seguido do Ryojun Maru, a 28 de junho de 1910, trazendo 906 passageiros. Com eles, sonhos, esperanças, costumes e tradições. Seguiram-se outras tantas naos repletas de japoneses até a década de 1930, quando Getúlio Vargas criou leis de restrição à imigrção.
Inicialmente a causa da migração foi a ruptura do modelo feudal japonês e o início da industrialização e da urbanização. A população tipicamente rural passou a ser urbana e, por isso, surgiram grandes focos de pobreza. A mecanização da lavoura pressionou a população rural a mudar para as cidades que não comportavam a grande massa do êxodo rual. No Brasil, ao contrário, faltava mão-de-obra para trabalhar nos cafezais. Assim, um acordo entre Brasil e Japão permitiu a imigração de nipônicos para cá. Seguiram-se as duas grandes guerras mundiais, das quais o Japão participara ativamente, pressionando, cada vez mais, um maior número de migrantes para o Brasil.
Cerca de 1,5 milhões de japoneses migraram para o Brasil, sendo o período áureo, do ano de 1920 ao ano de 1930. Há diversos componentes determinantes do processo de migração japonesa. Havia grande pressão social, imensa saturação das cidades, elevado contingente de trabalhadores rurais desempregados e forte interesse do governo japonês em espalhar a etnia nipônica para o mundo, especialmente com vistas à fixação desta nas Américas. Este último elemento ideológico causou, inclusive, muita perseguição aos japoneses no Brasil e, mais tarde, nos Estados Unidos.
Com os migrantes orientais vieram muitas coisas, como por exemplo, o costume do uso do chá, o cultivo de determinadas frutas não conhecidas, verduras, legumes, criação do bicho-da-seda, etc. Surgiram novas técnicas de cultivo do arroz, influência idiomática, hábitos alimentares, entre outros.
Compreende-se melhor o migrante japonês por suas gerações. Assim, denomina-se de 'isseis' os imigrantes japoneses nascidos no Japão, representando cerca de 12,51%; os 'nisseis', filhos de japoneses, porém nascidos no Brasil com cerca de 30,85%; os 'sansseis', netos de japoneses, com 41,33%; e os 'yonisseis', bisnetos de japoneses, constituindo-se em 12,95%. Da totalidade de migrantes nipônicos, cerca de 90% vive em cidades. Estão espalhados, principalmente nos estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e Pará. Dedicam-se hoje, a diversas áreas da atividade econômica, social e cultural.
O japonês oferece grande resistência à miscigenação, especialmente aqueles das primeiras gerações. Por isso, na primeira geração "isseis", a miscigenação foi de 0%; na segunda geração, os "nisseis" foi de 6%; na terceira geraçao "sansseis" foi de 42%; e, na quarta geração, "yonisseis" é de 61%. Ainda hoje o casamento entre um 'nihonjin' (japonês) e um 'gaijin' (estrangeiro) é mal visto pelos mais velhos. 'Ainocô' é o termo usado no Japão para o miscigenado resultante de uniões entre japoneses e outros povos. No Brasil é usado por alguns acadêmicos para designar o fruto das uniões entre japoneses e brasileiros e seus descendentes. Atualmente, o termo 'ainokô' (transliteração da grafia original) está em desuso em terras nipônicas, já que não é mais bem-visto por suscitar "racismo". Em seu lugar tem sido usado o termo 'half' para fazer referência às pessoas mestiças, que no caso de norte-americanos e japoneses são chamaos de 'amerasians'.
A II Guerra Mundial foi um marco muito forte para o Japão, pois a derrota para os Estados Unidos destruiu a esperança de muitos militares, os quais acreditavam ser possível dominar a América e expandir o Império Nipônico. Um coronel reformado chamado Junji Kikawa fundou o movimento Shindo Renmei, isto é, "A Liga do Caminho dos Súditos" para não permitir a divulgação de que o Japão havia perdido a guerra. Foram apelidados de "Corações Sujos" devido aos métodos pouco recomendados de impor a sua ideologia.
No Brasil, a comunidade japonesa protestou contra a entrada do país na guerra contra os interesses do Japão. A maior parte da comunidade de imigirantes japoneses permaneceu fiel ao imperador Hiroito. Tais imigrantes organizaram protestos e distribuição de panfletos contra a posição brasileira, sofrendo, por isso, forte perseguição. A maior parte dos imigrantes, não aceitou a derrota do Japão na II Guerra Mundial, e, por isso, a colônia ficou dividida em dois grupos: os 'makegumi' ou derrotistas, representando menos de 20%, pois aceitavam a derrota; e os 'kachigumi' ou vitoristas, os quais não aceitavam a derrota. Grande parte da comunidade japonesa erradicada no Brasil fez parte da Shindo Renmei à época do conflito mundial. A Shindo Renmei foi uma associação terrorista criada no interior de São Paulo no início da década de1940 por 'isseis'. Alguns membros mais fanáticos da associação, a 'tokkotai' cometiam atentados violentos contra os 'isseis' e nipo-brasileiros que acreditavam nas notícias da derrota japonesa na II Guerra Mundial. A Shindo Renmei matou, pelo menos, 23 pessoas e feriu outras 147, todas nipo-brasileiras.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Oriente Médio, Um Barril de Pólvora I

A partir deste, dar-se-á uma série de artigos sobre o "Oriente Médio". O tema é, por si só, intricante, necessário e curioso. Há inúmeras maneiras de se abordar um tema, sendo ele polêmico, ou não. Entretanto, alguns temas são, na sua própria origem, história e natureza, polêmicos. O "Oriente Médio" é um destes e transita desde a empolgação até a ira.
Não é por acaso que, ali, naquele palco milenar travam-se tantas e inumeráveis batalhas. Seus protagonistas, atores e coadjuvantes são, na essência, a própria polêmica que vive e revive pelos séculos.
Antes de se dar sequência a esta tarefa, são necessários alguns esclarecimentos. Primeiramente, o termo "Oriente Médio" não é suficiente, e pode-se dizer, que, é até displicente ou propositado. Visto que o planeta está dividido em quatro hemisférios, costuma-se denominar a porção à leste do meridiano de Greenwich como Oriente e a porção à oeste deste, de Ocidente. Considerando-se que a porção oriental, onde se localiza a região em tela, seja, em sua extensão e relação geográfica, dividida em extremo oriente, médio oriente e oriente próximo, a referida região, objeto deste artigo, situa-se no Oriente Próximo ou Ásia Ocidental.
Secundariamente, o que significa a expressão "Oriente Médio"? É o subproduto da historiografia eurocentrista que, por sua posição, considerava esta sub-região asiática, como sendo o ponto médio entre a Europa Ocidental e o Extremo Oriente. Isto remonta à época das rotas comerciais entre o Oriente e o Ocidente. Por imposição da ideologia ocidental prevalece ainda na mídia e nos livros a expressão "Oriente Médio".
O Oriente Próximo ou Ásia Ocidental é uma das sub-regiões do Continente Asiático e sua delimitação é determinada pela extensão das suas sub-regiões com todos os seus pressupostos culturais. Assim, o "Oriente Médio" se compõe da Ásia Menor, (onde está a Turquia), da Mesopotâmia (atual Iraque), do Planalto Iraniano (onde estão o Irã e o Afeganistão), do Levante (onde estão o Líbano e a Síria), da Palestina (onde está Israel e os territórios de Gaza e Cisjordânia, que, segundo se espera, formarão o Estado da Palestina), a Península Arábica (onde está a Árabia Saudita e mais alguns países) e o Sinai (que pertence ao Egito). Então pode-se dizer que a Ásia contém o "Oriente Médio" e, este, contém suas seis sub-regiões retromencionadas.
O "Oriente Médio" é de fato, a encruzilhada geopolítica do mundo. A partir dessa região, têm-se a Europa, a Ásia e a África, imediatamente mais próximas, e a meio caminho têm-se a Oceania e a América. Por isso, sempre foi alvo dos mais ambiciosos conquistadores ao longo da história, pois quem tiver o "Oriente Médio" às mãos, poderá ter o mundo rapidamente a seus pés. No livro do profeta Ezequiel há uma referência à centralidade de Jerusalém, a capital de Israel e cidade mais importante: "Assim diz o Senhor Deus: Esta é Jerusalém; coloquei-a no meio das nações, estando os países ao seu redor." A hermenêutica e a exegese mostram que tal centralidade pode ser objeto de mais de uma interpretação, mas é centralidade da mesma forma.
Jerusalém é hoje uma cidade dividida, disputada e pretendida por, no mínimo, três grandes segmentos histórico-religiosos: o judaísmo, o islamismo e o cristianismo. Em nome de Cristo e da "fé cristã", o solo da cidade santa já foi muitas vezes banhado do sangue à época das cruzadas. Em nome de Maomé, árabes-palestinos e outros muçulmanos reivindicam o direito sagrado sobre Jerusalém e, finalmente, em nome da sua história ali iniciada e desenvolida durante muitos séclos, os judeus reivindicam-na como capital eterna de Israel. É, de fato, a pedra de tropeço colocada entre os povos e nações, porque tudo quanto sucede ao "Oriente Médio" sucede e afeta o mundo.